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A jornada dos raros no Brasil


Mais um dia 28 de fevereiro, Dia Mundial das Doenças Raras, e não podemos deixar de refletir sobre a jornada dos raros no Brasil.

A única Política Pública que temos para os raros por aqui sofre do que vou chamar de "a maldição da Portaria” que, ao contrário das Leis, para funcionar em plenitude, requer a pactuação por parte dos gestores de saúde nos Estados e Municípios. Pra quem não sabe, a pactuação é a obrigação de cumprir integralmente.


A tal Portaria é de 2014 e traz em seus anexos a relação das patologias reconhecidas como raras e o valor pago pelo SUS pelos procedimentos de assistência integral aos pacientes e familiares, que abrangem diagnóstico, tratamento e dispensação de medicamentos e equipamentos de suporte de vida, tais como ventiladores e assistentes da tosse.

Ocorre que, a última vez que houve uma tentativa por parte do Senado de repensar e atualizar o texto, à luz dos avanços e possibilidades terapêuticas, foi em 2018.

E ainda assim, a discussão foi motivada mais pela necessidade de reduzir a judicialização que pelo reconhecimento do direito dos pacientes e familiares garantidos na Constituição.

Naquele ano já entendiam a necessidade de ampliar a rede assistencial de referência e a incorporação de medicamentos órfãos – aqueles destinados ao tratamento de uma parcela reduzida da população. São, em sua franca maioria, remédios ainda não produzidos no país e, portanto, caros. Mas que aumentam a qualidade e a expectativa de vida dos pacientes.

Ocorre que, hoje, nove anos depois da publicação da Portaria, poucos Estados a pactuaram. Dá pra contar nos dedos da mão direita as unidades federativas que possuem Centros de Referência e Competência. Os valores estipulados para diagnóstico e tratamentos sequer foram reajustados. E os pacientes raros, cujas doenças são – em grande maioria – progressivas, degenerativas e incapacitantes, ainda seguem em longas e dolorosas batalhas judiciais por suas demandas. Enquanto isso, ocupam leitos

hospitalares por meses, agravando a insuficiência de vagas em enfermarias e, nos estágios mais avançados, em UTI´s.


Quem paga por tudo isso? Apenas os pacientes e familiares? A resposta é não! Todos nós pagamos. Com nossos impostos e, às vezes, com nossa vida, porque as unidades de saúde e hospitais públicos não têm espaço para nos receber. Durante esse tempo houve, é verdade, tentativas por parte do Ministério da Saúde, em criar grupos de trabalho com a participação da sociedade civil organizada para ouvir propostas e buscar a conciliação de interesses. Mas pouco avançamos, pois esbarramos na falta de experiência político-administrativa de alguns atores envolvidos no processo, que tiveram dificuldades em chegar a um acordo sobre prioridades comuns a serem estabelecidas. Afinal, somos raros; mas nossa diversidade é imensa. E temos pressa.

Entretanto, alguns pontos se destacaram como resultado dessa iniciativa. Vejamos alguns mais relevantes:

  1. embora a maior parte das doenças raras ainda não disponha de tratamento, deve-se reconhecer o impacto promovido pelas inovações terapêuticas que surgiram nos últimos anos;

  2. falta uma rede assistencial de referência;

  3. a incorporação dos medicamentos órfãos deverá ser considerada sob o critério da relevância clínica; e não do custo-efetividade.

Este último, em especial, merece reflexão mais atenta. Pois requer conhecimento e sensibilidade em entender que não só a cura merece investimento; mas também o que desonera os sistemas, na medida em que amplia a capacidade de pacientes para estudar e até trabalhar, gerando renda e pagando impostos, ao invés de dependerem da saúde e assistência social públicas.


É um projeto que requer força tarefa interministerial. Mas que precisa ser enfrentado como uma solução definitiva, que num futuro médio, certamente, sairá mais barato para o erário.

Outra discussão relevante é sobre como o Brasil vem fazendo políticas públicas para as ditas “minorias”. No caso das raras, precisamos que sejam elaboradas como políticas de Estado, permanentes; e não como políticas de governo, que mudam ao bel prazer do gerente da vez.


Há também o entendimento equivocado de desassociar as doenças raras da atenção básica, onde o diagnóstico precoce permitiria a intervenção no início dos sintomas, o que certamente tornaria o tratamento mais eficaz e mais barato ao longo do tempo.

Na construção de políticas públicas para raros, a palavra de ordem é foco: não no tratamento, mas no paciente. É com eles que essa política precisa ser pensada e discutida.

Disseminar conhecimento e capacitação permite domínio sobre o momento mais favorável para a intervenção precoce – desde o aconselhamento genético, até as terapias preventivas, o que muda para melhor o ciclo evolutivo das doenças.


Finalmente, cumpre lembrar os três princípios que nortearam a criação do SUS: integralidade, igualdade e equidade. Destaque para a equidade, principal desafio para os raros e para o próprio sistema, que ainda não consegue atender na totalidade o que é comum a todos; imagina as especificidades dos raros.

Então, quanto antes falarmos sobre isso e começarmos a trabalhar, melhor para todos: legisladores, gestores e pacientes.


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Rosana Martinez é Professora, Gestora Pública, Fundadora e Presidente da ADONE-MS desde 2005, associada à ADB Mato Grosso do Sul.


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